quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Pós-modernidade e domesticação do masculino.

Pós-modernidade. Desconstrução das identidades. Fluidez. Vivemos em um tempo vazio de alma, uma sociedade de consumo com valores pasteurizados. A opinião pública é ditada por William Bonner às oito para que nos tornemos gado. Nós reproduzimos valores irrefletidos aos nossos pequeninos. Eles serão os moralistas de amanhã, um exército de homens e mulheres iguais no sentido mais pobre. Supostamente livres e cópias fiéis uns dos outros.

Como pode haver liberdade sem rompimento? Toda mudança é trair uma antiga tradição. Nesse sentido muitos traidores são na verdade heróis que trazem atrás de si um novo tempo. E outros são meros infiéis mesmo. Jesus era um traidor de sua própria tradição religiosa, para estabelecer uma nova ordem e o amamos por isto. Judas era um traidor daquilo que prometeu a si mesmo ser e nós até hoje fazemos bonecos com seu nome para atear fogo.

A única traição maldita é a que torna hipócrita o teu próprio coração diante de si mesmo e diante dos outros, provavelmente.

É doença amar alguém mais que a si próprio. É errado amar alguém que esteja no erro. Não há mais clãs, nem lealdades de fogo, nem necessidade disso. Reagir ou vingar-se são atitudes condenáveis. Toda rebeldia é errada. Eu aprendi isso tudo na escola e na novela. Castre-se a si mesmo e trate seu chefe por Senhor. Internalize suas contradições, plante uma árvore, escreva um livro, tenha um filho. Morra.
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Há alguma coisa dentro de nós que ainda grita? Há algum elo com nosso instinto que sirva como caminho para fora de uma postura que pretende pasteurizar a identidade masculina junto com todas as outras? Os homens devem ser pacíficos, metrossexuais que nunca desencadeiam confusão ou caos como nossos ancestrais. Se possível faça as unhas, uma plástica e uma maquiagem leve para esconder as olheiras. Não exagere pra ninguém perceber; parecer gay ainda é um tabu, mas estão trabalhando nisso. Não use expressões fortes, não fale palavrão, não fique de pau duro por causa daquela sua prima gostosa, não desafie a ordem vigente. Sinta-se culpado porque teus filhos passam necessidade, mas não roube. Pausa.

Se a prole de alguém passa necessidade ele devia mandar o sistema judiciário se foder, mesmo. Quem deveria escolher o que é certo em detrimento do amor? E claro, o sujeito duraria pouco pra contar a história. Deve ser por isso que grandes atos de amor são sempre acompanhados de tragédias.

Não defendo que ninguém cometa crimes e o texto nem é sobre isso, meu ponto é que nos amansaram a ponto de que somos incapazes de grandes atos apaixonados e nos fechamos com medo de que nossos destinos sejam trágicos. Medo de sofrer, de sangrar, de morrer. Mesmo que saibamos que vamos morrer de qualquer forma. O medo fode nosso amor e nossa entrega pelas coisas.

Onde estão os mais corajosos meninos pobres das favelas? Nossa sociedade doente coloca um interessante dilema na frente de um moleque do tráfico. Viver na pobreza a única vida que ele tem, trabalhar 10 horas por dia para ganhar um salário que o envergonha diante de sua prole, até ficar velho e doente na fila de algum hospital que não tem remédios ou tomar armas, mesmo que o tráfico seja uma merda. A escolha está diante dele para ser feita.

O papel dele está claro: viverá poucos anos, exibirá um fuzil na comunidade para mostrar que é um guerreiro e os pais da classe média vão se desesperar enquanto suas filhinhas branquinhas vão compor voluntariamente o harém de putinhas desse negro pobre. Elas sobem o morro porque são viciadas, nos explicará o Datena. O Datena zomba da sua inteligência.

Elas sobem por outras razões. Não sei eu mesmo explicar, mas a resposta do senso comum não me serve.
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O cara lida com armas e vai morrer violentamente cedo. Ele pode ser preso, mas o provável é que seja morto. O barraco pode ser invadido enquanto ela está lá e possivelmente ela mesma morreria junto. Seria muito mais seguro ficar com o Papai e comprar drogas pelo telefone.

Mas o paradoxo é que, estando imersa nos maiores perigos, aquele ser, aquela fêmea, sente-se segura ao lado dele. Patricinhas da Zona sul que viram fiéis putas de traficantes são um fenômeno comum no Rio de Janeiro. Elas preferem o Zé Pequeno ao Felipe Dylon. É divertido ver a classe média se contorcendo com esse tipo de fenômeno.

Você realmente já ouviu funk? Todo mundo já escutou funk, mas eu estou falando de ouvir. Poder sexual e violência. Não tem como a patricinha em questão não ficar com a bocetinha molhada. Devem haver muitos elementos que expliquem essa onda das jovens de classe média em direção ao morro, mas que elas morrem de tesão eu não tenho dúvida.

No meio da sua pregação legalista e conservadora talvez o Datena pudesse nos explicar se realmente não existe um paralelo entre um proibidão e os contos de heróis de antigamente, onde um guerreiro desempenhava qualquer ato de força e coragem onde se arrisca fisicamente e tem uma mulher como prêmio. Códigos de poder sexual repassados em histórias infantis. É só ver as letras de funk.
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A preservação da identidade masculina em extinção é uma tarefa sagrada. Belíssima. Nós somos monges de um tempo que se foi. Mas ainda aparecem espasmos de difícil explicação sociológica, volta e meia.

Como a honra não é mais um valor cultivado para repassarmos a nossos pequeninos, Aquiles possivelmente está carregando um fuzil em algum morro carioca nesse exato momento, enquanto o Datena faz as unhas e engorda. Não é muito justo.

Mesmo assim gostaria de homenagear o conservadorismo do Datena com algumas fotos da filha dele, a modelo Letícia Wiermann. Parabéns, papai!


4 comentários:

  1. Excelente texto, Senhor.

    Cada vez estou mais convencida que uma das tarefas mais importantes da vida é vencer qualquer espécie possível de medo.

    Admiro Tua coragem. E amo-Te.

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  2. Meu amigo Marte, novamente me surpreendeu com este ótimo texto. Parabéns!!

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  3. Saudações, Marte. Excelente texto.
    "A preservação da identidade masculina em extinção é uma tarefa sagrada."
    Assino isto.

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  4. Precisamos unir os Dons. Isso é um bom plano ;)

    Irmãos de armas, como vos chamo.

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