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"A boa samaritana"
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O coração de Bia batia forte. Estava trêmula, uma mistura de ódio, repulsa e algum outro sentimento que ela não identificava corretamente, mas que não a deixava pensar em outra coisa. .
Como ele ousava lhe fazer uma proposta daquelas? Quem ele pensava que ela era? Iria contar tudo a Roberto quando ele chegasse. Ah se ia. E aí aquele calhorda ia ver só.
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Bateu forte a porta de casa atrás de si. Ainda faltavam duas horas até Roberto chegar do trabalho depois de pegar as crianças. Era esperar e contar tudo. Ele ia ficar furioso, com certeza. Esse cretino ia se arrepender de ter mexido com uma mulher séria, uma mulher direita.
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Amassou o pequeno papel contra o peito, ruminando ódio. Tentava pensar em outra coisa, mas não conseguia. Sentia um calor forte, daqueles que tinha quando ficava vermelha de raiva, mas era diferente dessa vez. Fez menção de rasgar o pequeno bilhete, mas parou a tempo: e se Roberto não acreditasse em sua simples palavra? Não, o bilhete daquele calhorda devia ser mostrado intacto. Era uma prova da desfaçatez do sujeito.
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Jogou o pequeno papel em cima da mesa. Depois voltou atrás e o colocou em cima da geladeira, sob o jarro de flores. Um dos meninos podia pegar aquele papel imundo antes que ela pudesse mostrar a Roberto.
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Ligou a televisão para esperar a chegada do marido. Sentou no sofá por algum tempo enquanto a TV zumbia qualquer assunto que ela não conseguiu prestar a menor atenção. Foi até a cozinha, abriu a geladeira e bebeu água. Ela não havia notado que suas pernas tremiam. Era o ódio em forma de tremedeira. Esse sujeitinho ia ver só.
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Daniel via Roberto todos os dias no trabalho. Todos os dias! Como podia ter escrito aquilo para ela? Mau amigo, hipócrita, mentiroso, cretino.
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Safado.
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“Bia;
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Vão cortar gente na empresa, como você sabe. O Roberto está na minha lista.
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Se você me visitar terça, posso mudar isso. Ligue pra marcar uma hora.
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Daniel – 76548712”
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Um bilhete safado de três linhas. Leu mais uma vez. Revoltada. Porque lia e relia um bilhete de três linhas, afinal? Sentiu-se um pouco ridícula por estar tão incomodada. Amassou o papel de novo e o guardou em cima da estante, dessa vez.
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Que audácia! Que canalha! Escreveu de próprio punho e assinou. Louco. Podia dar até processo. Mas isso, sabia ela e sabia o canalha, exporia para sempre Roberto. Ela tinha uma família, uma reputação a zelar. Ir à justiça contra o assédio possivelmente geraria comentários de que era uma mulher infiel, qualquer um acharia essa história muito estranha. Quem ia acreditar em um assédio assim, do nada? Bia odiou o machismo do mundo com todas as suas forças: só porque era mulher alguém veria culpa nela, de algum modo.
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Roberto saberia o que fazer, que fosse um processo ou uma bela surra naquele sem vergonha. Era só esperar ele chegar. E no bilhete Daniel ainda dava uma ordem: “Ligue pra marcar uma hora”. Filho da puta.
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O calor não passava. Mas aos poucos foi ficando mais calma, a fúria se transformando em asco e desconforto. E leu o bilhete mais algumas vezes, sempre reforçando seu próprio nojo diante daquela proposta suja. Ela era uma mulher casada na igreja, com filhos. Um desrespeito vindo de um verdadeiro crápula. O choque com a imundície daquele papel não passava.
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A demissão de Roberto não significava nada diante de seu amor, de seus filhos, de seu casamento. Ela sequer cogitava a hipótese de ceder, só lhe subia um ódio incontrolável por Daniel. Crápula manipulador. Sujeitinho. Se valendo do cargo para comer a mulher do amigo. Filho da puta.
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Bebeu mais água e colocou o bilhete no bolso: era mais seguro. E esperou Roberto, e as crianças. Imaginou sua reação diante do fato e ponderou que isso bem podia acabar em tragédia. Na verdade ela secretamente desejou que Roberto tivesse uma reação assim, mesmo sendo uma mulher pacata. Seu maior medo era de que ele reagisse civilizadamente e não a defendesse com unhas e dentes e força bruta, se necessário.
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E se Roberto, ao ver aquela injúria, simplesmente resolvesse pedir demissão e não arrebentasse a cara daquele filho da puta que tinha vindo mexer com a mulher dele? No fundo, ela percebeu, se sentiria pouco amada. Ao mesmo tempo não desejava tragédia nenhuma. Bia descobriu que incômodo é pior que ódio, porque o ódio se define claramente pra gente: o incômodo não; é pastoso, indefinido, a gente não sabe porque não consegue pensar em outra coisa.
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Ponderou que Roberto perder o emprego, demitido ou pedindo demissão era por si só uma tragédia. Teve ainda mais ódio de Daniel por colocá-la numa situação daquelas: agora o mínimo era que Roberto não trabalhasse mais em um lugar onde teria como chefe alguém que mandava bilhetes para sua mulher. Daniel não deixava outra saída senão a demissão de Roberto, e somada a uma mágoa, ainda. Cretino.
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Ele não tinha esse direito. Ele havia tomado uma liberdade que não era sua. Ele havia incomodado a paz de uma mulher fiel. Ele ia ver só quando Roberto chegasse. Ele ia arrebentar a cara desse pervertido. Safado.
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As crianças chegaram fazendo algazarra e Roberto trouxe compras. Ela tentou disfarçar durante algum tempo seu desconforto e Roberto disse:
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“As coisas estão difíceis na empresa. É essa tal crise mundial. Eles vão demitir gente, mas o Daniel me garantiu que meu trabalho é importante pro setor dele, acho que vai dar tudo certo.”
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“O Daniel não presta.” – Respondeu secamente, enquanto amassava o bilhete no bolso, com a mão suada.
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“Que maluquice, Bia, na comemoração de fim de ano vocês pareceram se dar tão bem...ué, você não fez o jantar hoje, querida?” – Roberto fuçava as panelas com sua fome habitual – “Pensei que era na terça que íamos levar os meninos no Mc’Donnalds...”
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Depois de uma pausa, Bia viu-se respondendo algo impensável.
O coração de Bia batia forte. Estava trêmula, uma mistura de ódio, repulsa e algum outro sentimento que ela não identificava corretamente, mas que não a deixava pensar em outra coisa. .
Como ele ousava lhe fazer uma proposta daquelas? Quem ele pensava que ela era? Iria contar tudo a Roberto quando ele chegasse. Ah se ia. E aí aquele calhorda ia ver só.
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Bateu forte a porta de casa atrás de si. Ainda faltavam duas horas até Roberto chegar do trabalho depois de pegar as crianças. Era esperar e contar tudo. Ele ia ficar furioso, com certeza. Esse cretino ia se arrepender de ter mexido com uma mulher séria, uma mulher direita.
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Amassou o pequeno papel contra o peito, ruminando ódio. Tentava pensar em outra coisa, mas não conseguia. Sentia um calor forte, daqueles que tinha quando ficava vermelha de raiva, mas era diferente dessa vez. Fez menção de rasgar o pequeno bilhete, mas parou a tempo: e se Roberto não acreditasse em sua simples palavra? Não, o bilhete daquele calhorda devia ser mostrado intacto. Era uma prova da desfaçatez do sujeito.
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Jogou o pequeno papel em cima da mesa. Depois voltou atrás e o colocou em cima da geladeira, sob o jarro de flores. Um dos meninos podia pegar aquele papel imundo antes que ela pudesse mostrar a Roberto.
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Ligou a televisão para esperar a chegada do marido. Sentou no sofá por algum tempo enquanto a TV zumbia qualquer assunto que ela não conseguiu prestar a menor atenção. Foi até a cozinha, abriu a geladeira e bebeu água. Ela não havia notado que suas pernas tremiam. Era o ódio em forma de tremedeira. Esse sujeitinho ia ver só.
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Daniel via Roberto todos os dias no trabalho. Todos os dias! Como podia ter escrito aquilo para ela? Mau amigo, hipócrita, mentiroso, cretino.
.
Safado.
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“Bia;
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Vão cortar gente na empresa, como você sabe. O Roberto está na minha lista.
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Se você me visitar terça, posso mudar isso. Ligue pra marcar uma hora.
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Daniel – 76548712”
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Um bilhete safado de três linhas. Leu mais uma vez. Revoltada. Porque lia e relia um bilhete de três linhas, afinal? Sentiu-se um pouco ridícula por estar tão incomodada. Amassou o papel de novo e o guardou em cima da estante, dessa vez.
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Que audácia! Que canalha! Escreveu de próprio punho e assinou. Louco. Podia dar até processo. Mas isso, sabia ela e sabia o canalha, exporia para sempre Roberto. Ela tinha uma família, uma reputação a zelar. Ir à justiça contra o assédio possivelmente geraria comentários de que era uma mulher infiel, qualquer um acharia essa história muito estranha. Quem ia acreditar em um assédio assim, do nada? Bia odiou o machismo do mundo com todas as suas forças: só porque era mulher alguém veria culpa nela, de algum modo.
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Roberto saberia o que fazer, que fosse um processo ou uma bela surra naquele sem vergonha. Era só esperar ele chegar. E no bilhete Daniel ainda dava uma ordem: “Ligue pra marcar uma hora”. Filho da puta.
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O calor não passava. Mas aos poucos foi ficando mais calma, a fúria se transformando em asco e desconforto. E leu o bilhete mais algumas vezes, sempre reforçando seu próprio nojo diante daquela proposta suja. Ela era uma mulher casada na igreja, com filhos. Um desrespeito vindo de um verdadeiro crápula. O choque com a imundície daquele papel não passava.
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A demissão de Roberto não significava nada diante de seu amor, de seus filhos, de seu casamento. Ela sequer cogitava a hipótese de ceder, só lhe subia um ódio incontrolável por Daniel. Crápula manipulador. Sujeitinho. Se valendo do cargo para comer a mulher do amigo. Filho da puta.
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Bebeu mais água e colocou o bilhete no bolso: era mais seguro. E esperou Roberto, e as crianças. Imaginou sua reação diante do fato e ponderou que isso bem podia acabar em tragédia. Na verdade ela secretamente desejou que Roberto tivesse uma reação assim, mesmo sendo uma mulher pacata. Seu maior medo era de que ele reagisse civilizadamente e não a defendesse com unhas e dentes e força bruta, se necessário.
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E se Roberto, ao ver aquela injúria, simplesmente resolvesse pedir demissão e não arrebentasse a cara daquele filho da puta que tinha vindo mexer com a mulher dele? No fundo, ela percebeu, se sentiria pouco amada. Ao mesmo tempo não desejava tragédia nenhuma. Bia descobriu que incômodo é pior que ódio, porque o ódio se define claramente pra gente: o incômodo não; é pastoso, indefinido, a gente não sabe porque não consegue pensar em outra coisa.
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Ponderou que Roberto perder o emprego, demitido ou pedindo demissão era por si só uma tragédia. Teve ainda mais ódio de Daniel por colocá-la numa situação daquelas: agora o mínimo era que Roberto não trabalhasse mais em um lugar onde teria como chefe alguém que mandava bilhetes para sua mulher. Daniel não deixava outra saída senão a demissão de Roberto, e somada a uma mágoa, ainda. Cretino.
.
Ele não tinha esse direito. Ele havia tomado uma liberdade que não era sua. Ele havia incomodado a paz de uma mulher fiel. Ele ia ver só quando Roberto chegasse. Ele ia arrebentar a cara desse pervertido. Safado.
.
As crianças chegaram fazendo algazarra e Roberto trouxe compras. Ela tentou disfarçar durante algum tempo seu desconforto e Roberto disse:
.
“As coisas estão difíceis na empresa. É essa tal crise mundial. Eles vão demitir gente, mas o Daniel me garantiu que meu trabalho é importante pro setor dele, acho que vai dar tudo certo.”
.
“O Daniel não presta.” – Respondeu secamente, enquanto amassava o bilhete no bolso, com a mão suada.
.
“Que maluquice, Bia, na comemoração de fim de ano vocês pareceram se dar tão bem...ué, você não fez o jantar hoje, querida?” – Roberto fuçava as panelas com sua fome habitual – “Pensei que era na terça que íamos levar os meninos no Mc’Donnalds...”
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Depois de uma pausa, Bia viu-se respondendo algo impensável.
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“Não, Roberto. Vamos hoje, terça eu vou estar ocupada, marquei com a Claudinha, a gente não se vê tem tempo.”
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“Podia ter me avisado, né Bia? Eu sustento essa família mas nessa casa parece que sempre eu sou o ultimo a saber de tudo.”
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“É, Roberto. Chama os meninos pra gente ir.” – disse Bia, suspirando conformada diante de sua escolha.
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E duas semanas depois Roberto foi demitido, de qualquer forma.
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Mas ninguém chorou como Bia.
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Filho da puta.
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“Podia ter me avisado, né Bia? Eu sustento essa família mas nessa casa parece que sempre eu sou o ultimo a saber de tudo.”
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“É, Roberto. Chama os meninos pra gente ir.” – disse Bia, suspirando conformada diante de sua escolha.
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E duas semanas depois Roberto foi demitido, de qualquer forma.
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Mas ninguém chorou como Bia.
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Filho da puta.
.
Passando pra deixar um cheiro...
ResponderExcluirBjs...
“Bia;
ResponderExcluir.
Vão cortar gente na empresa, como você sabe. O Roberto está na minha lista.
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Se você me visitar terça, posso mudar isso. Ligue pra marcar uma hora.
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Daniel – 85 985757522